O carioca Guilherme Jahara, chief creative officer da F.biz, tem 20 anos de experiência em propaganda e realizou trabalhos como “Vem pra Rua” da Fiat, “Bentley do Chiquinho Scarpa” para ABTO, “Meu sangue é Rubro Negro” para o EC Vitória e Hemoba. Ele queria ser jogador de basquete. Mas diz que não teve o dom. Ou não treinou o suficiente. Em propaganda, afirma que treinou bastante mas que a prática diária continua ensinando a ser um bom publicitário. Criação, para ele, é transformar coisas em outras. “O Big Bang já foi, há bilhões de anos. Essa foi criação pura. Criação, agora, é transformação.”, diz.

Bom senso e obediência não combinam com criatividade. É o que dizem Picasso e Raul Seixas. Você concorda?
Jahara
– Nem ferrando. Picasso era pintor. Raul, músico. Nós não somos artistas. Somos publicitários. Publicitário sem bom senso e um minimo de obediência ao que precisa ser dito é igual um artista ruim ou só burro. Nós temos regras. Agora, que criatividade precisa de liberdade e menos gente dizendo “não isso, Não aquilo”, isso precisa. É o bom senso de deixar a criatividade fluir. Obedeça a uma “regra”: faça diferente, lindamente bem executado e com pertinência para a marca e consumidores.

Nasce-se criativo ou desenvolve-se a habilidade ao longo da vida?
Jahara
– Eu acredito nas duas coisas. Eu acredito que sim, há um componente até genético nisso, mas que todos nascem com um potencial criativo. Sempre. Mas desenvolvemos a criatividade em formas diferentes? Quem é mais criativo? Picasso ou o engenheiro e o designer que criaram o iPod? Só depende do foco. E nossas habilidades criativas para publicidade e design, etc, desenvolvem-se também ao longo da vida. Eu nasci desenhando. Mas só com prática e bom aprendizado aprendi a ser um Diretor de Arte. E aprendo a cada dia mais a ser um bom publicitário.

Criatividade se ensina?
Jahara
– De novo: potencial criativo todos temos. O que se ensina é onde focar esse potencial. Eu acredito que formamos, sim, criativos-publicitários. Tem quem vá aprender, tem quem não vá. Mas que se ensina, ensina.

O que te inspira?
Jahara
– Arte. Design. Ideias diferentes, quem trouxe algo diferente. Bom papo, com pessoas inteligentes. Dias ensolarados. Pressão para fazer (pode parecer que não, mas um pouco disso inspira. Dá foco para a inspiração). Uns goles de vinho ou cerveja, com moderação. Endorfina. Meus filhos. E crianças em geral.

O que não te inspira, atrapalha, bloqueia?
Jahara
– Pressão em demasia. Quem não está aberto a ouvir. Quem não está aberto a experimentar. Dias cinzentos. Pouco prazo. Pessoas pequenas (em pensamento, claro).

O que você faria se não trabalhasse em propaganda?
Jahara
– Adoraria poder jogar basquete. Mas não tive o dom. Nem treinei o suficiente. Agora, com 43, já estaria fazendo outra coisa… Trabalhar com esporte me parece muito bacana. Mas, claro que também tem o lado artista que diz: pintor, desenhista. De volta às origens de criança.

Criação como nome de cargo. O quanto isso carrega de ser o cara brilhante e genuíno, o tempo todo?
Jahara
– Boa…Interessante, porque você já é visto como o cara “das ideias”. Dessa pressão estou acostumado. Acho até que gosto. Sou feito disso e disso me movo diariamente ao trabalho. Claro que às vezes dá a vontade de dizer “Você não tem ideias também? Faça as suas!” Porque todos sempre acham que só você as detém. É engraçado.

De que fontes você bebe para manter-se criativo?
Jahara
– Livros de arte, design e propaganda, claro, não deixam de ser fontes super bacanas. Mas viajar, ver coisas novas, a que seu cérebro não estava acostumado, dá uma boa “zerada”. Também ajuda. E traz referências novas. Aliás, referências: é disso que vivemos. Transformamos coisas em outras. Não necessariamente criamos no nada. O Big Bang já foi, há bilhões de anos. Essa foi criação pura. “Criação” agora, é transformação.

O que você faz quando não está trabalhando?
Jahara
– Jogo basquete, brinco com meus filhos. Curto cinema. Visito lojas e galerias. Viajo menos do que gostaria, leio menos do que deveria (essa pergunta me deixou meio deprimido).

O que lhe interessa no cinema, na literatura?
Jahara
– Como disse antes, não leio o tanto que deveria. Curto bastante contos. Nelson Rodrigues e Veríssimo (o Luiz), são uns que já li quase tudo. Cinema, curto muito. Os que mais gostei recentemente foram “HER” do Spike Jonze, Gravidade (nem pela história, mas pelo efeito de tirar o fôlego). Cinema argentino é, invariavelmente, incrível, como O Segredo dos seus olhos e Um conto Chinês. E filmes “fora circuitão” – mas também não banco uma de “cinéfilo-cabeça”, não.

Que pessoas criativas inspiraram você ao longo da vida?
Jahara
– Nossa…quanta gente. Do mercado, vamos lá. O Fabio Fernandes e o Marcello Serpa foram desses grandes com quem tive o prazer de trabalhar. Mas sabe? Meus duplas sempre foram inspiradores. Os principais, cito: Kassú, Victor Santana, Wilson Mateos, Cezar Herzkowicz, Rodolfo Sampaio, Marcelo Reis. E caras com quem aprendi e me deixavam com “raiva” de tão bons de ver: como o Gianinni, o Renato Fernandez, o Cesar Finamori, o Danilo Boer, Dulcidio Caldeira, Sophie, Nassar, Prosperi…vixe. Quanta gente boa. E deixei uns 15 de fora.

Você pensa em trabalhar em propaganda até ficar mais velho ou como todo publicitário tem seu plano B?
Jahara
– (risadas) Já estou “mais velho”. 43 já não é exatamente um moleque. Quero continuar, sim. Mas como tudo na vida, uma hora acaba. Sei lá o que vou fazer. Consultoria, ou criar um novo negócio. Mas meu plano B é viver com saúde e energia pra trabalhar nisso por muito tempo. Acho que é um plano B bom, quando não se tem outro.

Como você se vê velhinho?
Jahara
– Digo sempre pra minha mulher: se cuida, porque vou viver até os 100. Vou mesmo. A não ser que um desgraçado me dê um tiro ou me atropele por aí. Mas aí volto em espírito pra atormentar ele até meus 100. Me vejo com saúde. Tendo meus filhos criados, com netos, que vão trazer mais saúde ainda. Renovação é o que traz vida.

Como diretor de equipes, o que você faz para inspirar as pessoas ao seu redor?
Jahara
– Trago um chicote todo dia. Já coloquei um pau-de-arara na varanda. Funciona que é uma beleza…(risos). Sério: falo de referências. Junto a equipe. Falo muito do que quero, para onde podemos ir. Tento ser objetivo ao explicar o que curto e o que não curto num trabalho. Tento pensar sempre maior. Expor isso a eles. Pedir isso a eles. E de vez em quando, umas boas festas, pra descontrair. Porque precisamos ser uma equipe, precisamos ter um clima bom, porque acredito que só felizes criamos bem e melhor.