Vivemos a primeira grande manifestação de um Brasil hiperconectado. A inclusão digital dos brasileiros nos últimos anos trouxe um cenário com novos hábitos e comportamentos em todas as classes sociais. E as manifestações que temos presenciado são o melhor exemplo do efeito dessa cultura digital da qual o Brasil já é um dos protagonistas. Em um país tão desordenado como o nosso, vimos a população articular-se de maneira coordenada, usando os recursos digitais da sua melhor forma. A internet e as ruas se tornaram uma coisa só e pelas redes sociais foram organizadas passeatas, pesquisas de opinião e debates. Fomos do broadcast para o socialcast: pressionamos os grandes meios de comunicação a olhar com mais atenção para os fatos, realizamos uma cobertura independente em tempo real, via streaming, posts, fotos e vídeos de pessoas que se tornaram repórteres da sua própria experiência. Em poucos dias foi criado um panorama sócio-político cyberpunk: as causas das manifestações foram ampliadas, a liberdade de expressão foi protegida pela nuvem com downloads imediatos dos registros realizados e a justiça criou muitos olhos, onde manifestantes denunciaram na rede os abusos de ambos os lados, tanto da polícia quanto de depredadores que deturpavam o caráter do movimento. Por fim, fizemos o mundo todo acompanhar o Brasil por uma semana inteira. E aprendemos que articulados temos força e, assim resultados.
Mas, acima de tudo, acredito que esse DNA de cultura digital nas manifestações nos trouxe uma grande chance: a de promover um novo conceito a respeito do nosso modelo de cidadania. Vimos que é possível criar uma cidadania always on. Uma cidadania que se mantém viva e que acompanha continuamente os eventos do País, que debate em conjunto, que amplia a sua voz e se articula. E se, diferentemente de outros países, o espírito cidadão nunca foi considerado o ponto forte do brasileiro, agora há a chance de ativá-lo por meio dessa cultura digital. A prova de que esse cenário de cidadania digital é possível está em várias iniciativas de países desenvolvidos, que vem das pessoas, de ONGs e dos próprios governos. Mas está também no exemplo do Quênia, onde nasceu uma plataforma de mapas em que as pessoas podem apontar atos de violência. Na Índia, onde transações financeiras feitas por políticos acima de um determinado valor são publicadas na rede. E ainda na Estônia, onde um aplicativo permite que a população acompanhe relatórios sobre subornos no país.
Queiram ou não os governos, a inclusão digital eleva a consciência de cidadania das pessoas e as demandas serão cada vez maiores. E pode parecer estranho o que direi a seguir, mas é aí que a coisa vai pegar também para as marcas, as agências e os profissionais de marketing. Enquanto manifestantes estavam nas ruas, li entre as notícias daquela semana, que a grande pergunta que os políticos faziam aos seus assessores era “o que afinal está acontecendo nesse país?”. E a pergunta que me vem à cabeça é se nós, profissionais de marketing, branding e comunicação, não padecemos dessa mesma desconexão em nossas áreas. Será que nossas estratégias de branding e comunicação estão à altura desses consumidores de cultura digital? Arrisco dizer que não.
É míope olhar para a primeira grande manifestação de um Brasil hiperconectado somente pelo lado político e cidadão e não observá-la também pelo ângulo da cultura de consumo. O link é simples: cidadãos melhores são também consumidores mais conscientes, responsáveis e exigentes. Cidadãos mais conectados são também consumidores que demandam maior diálogo. Cidadãos mais engajados são também consumidores mais envolvidos com as marcas que admiram e, de uma maneira ruim, com as que desprezam.
A “onda de manifestos” desse consumidor está chegando até nós na forma de uma mudança radical nas relações e demandas que estes têm com as marcas. E aí não basta ter um posicionamento. É preciso ter uma posição. Olhar para a verdade de seus produtos. Encarar de forma crítica o descolamento das mensagens com a realidade das pessoas. Eliminar toda a hipocrisia presente nas estratégias marketing. E por aí vai, num caminho de encarar mais as verdades.
O consumidor quer hoje mais do que benefícios de produtos e isso nos obriga a trabalhar menos no terreno dos desejos e mais no das necessidades. Ele anseia que as marcas atuem de forma a ajudá-lo em seu cotidiano. E, se marca é uma visão sustentável do negócio, não podemos ignorar essas expectativas.
Nesse contexto, vejo o meio digital como grande aliado. Mas algumas perguntas me surgem. Será que não somos medíocres no uso dos recursos digitais? Será que não pensamos o digital na maior parte do tempo como um meio para desdobrar uma campanha offline? Será que não levamos conceitos de propaganda para um território em que causas poderiam estar sendo trabalhadas? Será que temos em nossas estratégias de marca um plano always on, que aprofunde as relações? Será que ainda pensamos apenas em comunicação num meio em que podemos oferecer soluções e serviços para as pessoas? Será que destinamos recurso suficiente para explorar este ambiente ao máximo?
Pelo “teaser” que estas manifestações nos dão sobre uma geração inteira de consumidores, me parece que usamos ainda o digital de forma rasa e por vezes efêmera. Tanto pela subutilização dos recursos quanto pelo nível da pauta que lá colocamos.
Depois de ler tudo isso, se você decidir dar um próximo passo na relação com seu consumidor, qual seria a direção? Eu não apostaria que esse próximo passo tem a ver necessariamente com tecnologia, embora o meio digital funcione como um catalizador, como uma arena dessas novas dinâmicas relacionais. Penso que tem mais a ver com uma nova reflexão sobre a definição do que é marca, sobre a postura que as empresas adotarão nessa nova relação. Tem a ver com causa, assim como foi nas últimas manifestações brasileiras.